Desvios na Unicamp: diretor do Instituto de Biologia vê 'crise institucional' e reforça inocência de professores
Diante do reitor recém-apossado, docente disse que cientistas caíram em 'armadilha'. Fapesp apontou transferências irregulares de verbas de pesquisa totaliza...

Diante do reitor recém-apossado, docente disse que cientistas caíram em 'armadilha'. Fapesp apontou transferências irregulares de verbas de pesquisa totalizando R$ 5,3 milhões. Desvios na Unicamp: diretor do Instituto de Biologia alerta para 'crise institucional' Diretor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, onde trabalhava a ex-servidora acusada de desviar R$ 5,3 milhões em verbas de pesquisa, o professor Hernandes Carvalho pediu atenção da Reitoria para a “crise institucional” instaurada na universidade durante as investigações. "[Tenho que] anunciar que nós estamos numa crise institucional. [...] As instituições lavaram as mãos e deixaram os docentes numa situação muito única, que é um abandono institucional. Desculpe usar esse termo, mas é exatamente como eles se sentem", destacou. Receba notícias da região de Campinas no WhatsApp O pronunciamento foi feito durante a 410ª Reunião de Câmara de Administração (CAD) da universidade, na terça-feira (6). Diante do reitor recém-apossado, Paulo Cesar Montagner, o docente também frisou a inocência dos cientistas, que teriam caído em uma “armadilha”. "Nossos docentes são inocentes. Eles caíram numa armadilha por conta de um posicionamento muito estratégico de uma servidora da Funcamp que prestava serviços à Unicamp dentro do Instituto de Biologia. O Instituto de Biologia não fez nada errado", destacou Carvalho. Ainda segundo o diretor do IB, os pesquisadores envolvidos na investigação estão em “estresse contínuo” e não conseguem continuar com as pesquisas financiadas pelas Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por conta dos bloqueios nas contas. Professor Hernandes Carvalho, diretor do Instituto de Biologia da Unicamp Reprodução/YouTube Ex-servidora fora do país A auditoria interna realizada pela Fapesp concluiu que o desvio total de recursos foi de R$ 5.384.215,88. Desse total, R$ 5.077.075,88 foram movimentados diretamente por Ligiane Marinho de Ávila, Ligiane é suspeita de ter feito 220 transferências bancárias, sendo cerca de 160 enviadas diretamente para a conta pessoal dela. Parte dos desvios também envolveu empresas da ex-funcionária e outras três pessoas jurídicas. VÍDEO: ex-servidora suspeita de desviar verbas de pesquisas da Unicamp diz em depoimento que esquema envolvia docentes Acusada de desviar milhões de pesquisas na Unicamp pode ter pena de até 36 anos de prisão, se condenada A Fapesp aponta que a ex-servidora agiu intencionalmente ao usar notas fiscais falsas para desviar recursos. Os pesquisadores, por sua vez, teriam contribuído por negligência, já que permitiram que ela acessasse as contas dos projetos, o que vai contra as regras da fundação. Ligiane deixou o Brasil em 19 de fevereiro de 2024, um mês após os desvios serem descobertos. Em setembro, o Ministério Público pediu a prisão preventiva e a quebra do sigilo bancário dela. A ex-servidora é ré na Justiça de Campinas desde 23 de abril. A denúncia, apresentada pelo promotor de Justiça Fernando Vianna, aponta que ela praticou o crime de lavagem de dinheiro ao menos 189 vezes e o de peculato 27 vezes. Além da esfera criminal, em que a ex-servidora já é ré, o Ministério Público investiga o caso na esfera cível e aponta que houve “inércia” da Unicamp diante dos desvios. Veja abaixo o que dizem a defesa de Ligiane, dos pesquisadores, a Unicamp e a Fapesp. Ligiane Marinho de Ávila, ex-servidora da Funcamp, trabalha como faxineira na Europa Ligiane Marinho de Ávila/Arquivo pessoal Quem vai pagar a conta? Para a Fapesp, o dinheiro desviado precisa ser devolvido pelos próprios cientistas. Por isso, a fundação ajuizou, sob a forma de reconvenção e pedido contraposto, 34 ações de cobrança contra pesquisadores responsáveis pelas contas afetadas. Entre os casos já julgados, segundo a Fapesp, três pesquisadores foram condenados a devolver valores que variam entre R$ 31 mil e R$ 243 mil. Dois outros docentes escolheram fazer o ressarcimento pela via administrativa, somando R$ 38,2 mil. A fundação destacou ainda que as ações judiciais tramitam na 1ª, 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública de Campinas e também na capital paulista, sendo a maioria delas ainda analisada na fase de instrução processual. Imagem aérea do campus da Unicamp em Campinas Reprodução/EPTV O que diz a defesa de Ligiane Segundo o advogado Rafael de Azevedo, que representa a ex-servidora, todas as transações foram feitas com o consentimento tanto dos pesquisadores quanto da universidade, sem que existisse um procedimento padrão de controle e fiscalização. "O que ela fazia, sim, era repassar os valores para a sua conta, para realizar os pagamentos, tanto que tem uma situação que ela até relata no depoimento, de que havia uma reforma para ser feita no telhado do instituto e que isso não poderia ser custeado com a verba da pesquisa. Eles pediram para dar um jeito, emitir uma nota, ver uma situação que consiga adequar para que esse pagamento seja feito. Os próprios pesquisadores, professores, passavam e isso tinha a sabedoria, tinha o conhecimento de todos ali dentro", disse Azevedo. Veja mais aqui. Defesa afirma que pesquisadores também são vítimas O escritório de advocacia que representa os 34 pesquisadores acionados juridicamente para devolver os valores desviados pontuou, em nota, que as irregularidades foram identificadas e denunciadas pelos próprios cientistas, em um ato de “total boa-fé”. "Apesar da postura colaborativa dos docentes, a FAPESP optou por direcionar esforços não à responsabilização da autora das fraudes, mas à cobrança dos valores diretamente dos pesquisadores, também vítimas da situação. Em janeiro de 2024, foram notificados administrativamente para reembolsar os valores desviados", disse o texto. Ainda de acordo com a defesa, os docentes entendem que “agiram corretamente e de acordo com todas as normas institucionais da FAPESP e da Unicamp — acostando, inclusive, documentos que comprovam a autorização dos órgãos para a entrega de cartão e senha ao Escritório de Apoio”. Diante disso, os cientistas também ajuizaram ações individuais “com o objetivo de declarar inexigível a cobrança. São 30 (trinta) ações judiciais que tramitam nas 1ª, 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública de Campinas”. “A maioria delas obteve decisões liminares favoráveis, garantindo a suspensão da cobrança e a continuidade dos projetos de pesquisa. Há sentença de improcedência em três casos na 3ª Vara, contudo, os docentes que tiveram seus projetos de pesquisas bloqueados por conta da decisão, já possuem decisão da Turma Recursal suspendendo seus efeitos”, explicou. Por fim, a defesa disse que "os pesquisadores também são vítimas dessa situação e têm agido com total transparência e cooperação desde o início, buscando preservar a integridade da pesquisa científica e a legalidade na gestão de recursos públicos". O que diz a Unicamp "A Universidade apurou os fatos internamente, mediante a instauração de sindicância administrativa, na qual foram ouvidos vários servidores e analisados documentos. Ao final dos trabalhos, a Comissão de Sindicância recomendou a adoção de medidas administrativas para melhoria dos escritórios de apoio, concluindo pelo arquivamento do processo. Importante esclarecer que os recursos desviados são da FAPESP. Inclusive, nas ações movidas pelos docentes contra a FAPESP, a Universidade e a FUNCAMP, as decisões de mérito têm sido todas favoráveis à Universidade, com condenação dos docentes ao ressarcimento dos recursos à FAPESP. Portanto, até o momento, não há risco concreto ao patrimônio público da UNICAMP. A esfera de apuração da Unicamp se restringe ao âmbito disciplinar, sendo que, até a última manifestação do então reitor, Antonio José de Almeida Meirelles em 16 de abril, não haviam novas provas que pudessem ensejar a instauração de outro processo de sindicância mais específico. Todavia, como restou expressamente consignado na decisão do Reitor, era necessário que se aguardasse o avanço do Inquérito Policial instaurado e das próprias ações judiciais movidas contra a Universidade para a reavaliação do assunto. Na data de ontem, às 15:46, o Ministério Público encaminhou à Universidade manifestação de 30/04/2025, com apresentação de novos indícios sobre o caso, e ofício datado e assinado às 15:31 de 05/05/2025, com pedido de abertura de sindicância administrativa, que será avaliado pela Universidade no prazo de 30 dias concedido para resposta. Importante ressaltar que a Universidade somente teve conhecimento dessa manifestação e dos documentos apresentados na data de ontem, já tendo pedido cópia dos documentos ali citados e não enviados ainda para a instituição. Neste sentido, a Universidade reitera que não houve qualquer omissão do ex-Reitor na condução do caso, que determinou a apuração dos fatos, instaurando sindicância administrativa". O que diz a Fapesp "A FAPESP constatou irregularidades na prestação de contas de projetos de pesquisa fomentados pela FUNCAMP/Unicamp e desenvolvidos no Instituto de Biologia da UNICAMP. Analisando a prestação de contas de um projeto específico, constatou-se que as mesmas incongruências se repetiam em outros projetos de pesquisa ali sediados. Essas incongruências eram indicativas de desvios de recursos públicos concedidos pela FAPESP, praticados dolosamente por uma empregada do Escritório de Apoio vinculado à FUNCAMP/UNICAMP, e ocorriam por meio da emissão e pagamento de notas fiscais fraudulentas emitidas por microempresa de sua titularidade, além de transferências bancárias para sua conta pessoal. No entendimento da FAPESP, os pesquisadores responsáveis pelas pesquisas contribuíram culposamente para esses desvios, já que franquearam, indevidamente, o acesso de terceiros às contas bancárias vinculadas aos projetos. A FAPESP ajuizou ações de cobrança, sob a forma de reconvenção e pedido contraposto, contra todos os pesquisadores responsáveis por projetos em que se verificaram desvios, em um total de 34 ações. Essa medida jurídica se faz necessária em nome do zelo para com o patrimônio público, já que a relação contratual da FAPESP ocorre com os pesquisadores e não com eventuais terceiros que tenham manipulado indevidamente suas contas bancárias. Isso em nada diminui o reconhecimento da relevância da atuação desses pesquisadores em prol da ciência e do desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Na verdade, a FAPESP espera que os pesquisadores consigam demonstrar sua boa-fé e obter regressivamente o ressarcimento dos valores que vierem a devolver à FAPESP junto aos responsáveis finais pelos desvios que ficarem comprovados. Essas ações estão tramitando junto à 1ª, 2a e 3a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas e também em São Paulo – Capital, com a maioria delas ainda em fase de instrução processual. Nos três casos judiciais em que houve decisão favorável, os pesquisadores foram condenados a devolver, respectivamente, R$ 43.924,74, R$31.255,97 e R$ 242.782,19, acrescidos de correção monetária e juros moratórios. Há, também, casos de dois pesquisadores que optaram por realizar o ressarcimento pela via administrativa, que somados totalizam R$38.229,20. Tais valores já foram devolvidos. O relatório final da apuração sobre o caso concluiu que o potencial desvio total de recursos foi de R$5.384.215,88, ocorridos entre 2013 e 2024. Desse valor, R$ 5.077.075,88 foram desviados através de contas bancárias de Ligiane Marinho, ex-empregada da FUNCAMP, e o restante por meio de contas vinculadas a três pessoas jurídicas. Cumpre registrar ainda que, no âmbito de suas atribuições próprias, o Ministério Público de São Paulo está investigando o caso por meio de Inquérito Civil e também por meio de procedimento criminal". O que diz a Funcamp “A Funcamp informa que colabora integralmente com todas as autoridades competentes nas apurações em andamento. A Fundação reitera seu compromisso inegociável com a ética, a integridade e a gestão responsável dos recursos públicos”. VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas